A indústria automóvel está em transformação. Embora os carros continuem a ter quatro rodas, suspensão e volante, muito do que está “debaixo do capô” está em mudança. Há um debate em curso sobre a eventual perda de postos de trabalho no setor, mas é inegável que as competências necessárias estão a evoluir ao longo de toda a cadeia de produção – desde a fabricação de componentes para veículos de zero emissões até à manutenção e reciclagem desses mesmos veículos.
Além disso, destaca-se o papel dos especialistas em investigação e desenvolvimento, que trabalham em novos materiais para baterias e veículos mais leves, bem como dos técnicos e operadores necessários para construir e gerir a infraestrutura de carregamento.
Investimentos Governamentais em Formação
Os governos estão a reconhecer as implicações destas mudanças. Nos Estados Unidos, a administração Biden anunciou investimentos em formação e requalificação. O Departamento de Energia, em parceria com a indústria, está a disponibilizar 23,6 milhões de dólares para o programa Battery Workforce Challenge, que pretende formar até 14.000 trabalhadores para carreiras em toda a cadeia de valor dos veículos elétricos.
Na Europa, a European Battery Academy dispõe de um orçamento de 10 milhões de euros para qualificar 800.000 trabalhadores com novas competências até 2025. Esta aposta deve-se à previsão de que as competências relacionadas com baterias representarão uma grande parte do emprego no setor automóvel global, ajudando a compensar as perdas provocadas pelo fim da produção de motores de combustão interna.
Desafios e Necessidades de Competências na Europa
Um estudo de 2023 da Agência Internacional de Energia revelou que novas empresas de baterias na Europa estão a enfrentar dificuldades para contratar profissionais qualificados localmente. Paralelamente, análises da própria União Europeia indicam que o bloco enfrenta um défice crescente de especialistas em Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), competências essenciais para a transição para veículos elétricos.
Um relatório sobre competitividade da UE, publicado em setembro, recomendou aos Estados-membros a criação de um quadro comum de formação, com um esforço massivo de “upskilling” e “reskilling” em áreas-chave como manutenção, cibersegurança e processamento de dados.
Reskilling na Indústria Automóvel
A CEO da Peugeot, Linda Jackson, revelou à The Ethical Corporation que a empresa tem vindo a requalificar trabalhadores que antes produziam motores a gasolina e diesel para passarem a fabricar baterias na nova gigafábrica no norte de França. Este projeto, em colaboração com a Mercedes-Benz e a TotalEnergies, deverá criar 2.000 empregos até 2030. No entanto, a indústria europeia de baterias enfrenta desafios significativos, como a forte concorrência da China e a desaceleração das vendas de veículos elétricos na Europa.
No Reino Unido, o Faraday Institution alerta que, sem uma produção nacional em larga escala de baterias – com potencial para criar 100.000 postos de trabalho em gigafábricas e respetivas cadeias de abastecimento – os fabricantes de automóveis poderão reduzir a produção, levando à diminuição do emprego no setor automóvel.
Formação para a Transição Elétrica
Uma das principais diferenças entre motores de combustão interna e veículos elétricos é o sistema de propulsão elétrica, que exige que os trabalhadores dominem o manuseio de altas voltagens, potencialmente letais. No Reino Unido, a rede de competências para eletrificação está a tentar criar um quadro unificado a nível nacional, garantindo que as competências adquiridas sejam relevantes para o setor.
Com a elevada procura por competências elétricas e digitais, muitas fabricantes de automóveis já têm programas próprios para qualificar e requalificar os seus funcionários. A Jaguar Land Rover (atualmente conhecida como JLR) anunciou recentemente um investimento de 500 milhões de libras para transformar a sua histórica fábrica em Halewood, Merseyside, de forma a apoiar a produção de veículos elétricos, juntamente com modelos híbridos e de combustão.
O programa de investimento em competências da JLR, de 20 milhões de libras anuais, centra-se na formação em altas voltagens, mas também inclui formação para manutenção dos robôs cada vez mais utilizados na produção automóvel.
O setor automóvel avança, assim, para um futuro em que a qualificação constante da sua força de trabalho será determinante para enfrentar os desafios e as oportunidades de um mundo elétrico e automatizado